Pra quem é o bem-estar? 🤷♀️
Wellness, bem-estar, autocuidado: tantas palavras, com tantos significados… e um mercado bilionário por trás.
Essa pergunta ficou rondando nossas reuniões de pauta por um bom tempo: por que o bem-estar virou a nova forma de ostentar riqueza nas redes? Longe de nós reduzir algo tão complexo a uma explicação simplista:afinal, falamos sobre wellness aqui — é, inclusive, uma pauta recorrente. Mesmo assim, também queremos entender no que esse mercado se transformou.
Começando pelo começo
No século 17, o bem-estar estava associado apenas à saúde física. Já no século 18, o conceito passou a incluir aspectos materiais — como moradia, alimentação e trabalho manual — que, quando em falta, poderiam afetar diretamente a saúde da população e sua comunidade.
Mas o uso contemporâneo da palavra “bem-estar” começou a ganhar força lá pelos anos 50 e ficou mais claro com a publicação, em 1961, de uma pesquisa do médico Halbert L. Dunn intitulada High-Level Wellness. Em bom português: “Bem-Estar de Alto Nível”.
A ideia? Era um processo contínuo de autodesenvolvimento pra se manter saudável: não só no sentido de “não estar doente”, mas também de estar emocionalmente equilibrado, com boas relações sociais e um senso de propósito na vida.
O conceito ganhou força entre as décadas de 1960 e 1970, quando os textos e a liderança de uma rede informal de médicos e pensadores nos Estados Unidos ajudaram a moldar o que a gente entendia como bem-estar: uma combinação de saúde física e mental, estilo de vida saudável, medicina complementar e políticas públicas voltadas ao coletivo.
Ainda no século 20, surge a ideia da “economia do bem-estar", um conceito que parte do princípio de que a economia deve servir às pessoas e ao planeta, não o contrário. A ideia era que leis, regras e incentivos fossem pensados pra garantir qualidade de vida e prosperidade para todos, além de construir um sistema de políticas públicas voltadas ao apoio social e à redução das desigualdades.
O que todo mundo já sabe: segundo a Organização Mundial da Saúde, bem-estar é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Apesar da definição parecer simples, o conceito foi ganhando camadas (e cifrões) até se transformar numa indústria complexa.
A indústria do bem-estar: produtos hypados, serviços e experiências que prometem melhorar a saúde física, mental e emocional. O mercado vai muito além da academia ou da consulta médica: inclui suplementos, cosméticos, terapias alternativas, apps de meditação, viagens pra detox, clínicas estéticas, gadgets para monitorar o sono… e a lista só cresce.
Só que, em um país onde cerca de 27% da população vive abaixo da linha da pobreza, fica a pergunta: bem-estar é pra quem mesmo?
De olho nos cifrões…
Segundo dados do Global Wellness Economy Monitor de 2024, o mercado mundial de bem-estar alcançou um valor recorde de R$ 35,7 trilhões. A previsão é de que esse número continue subindo, chegando a cerca de R$ 51 trilhões até 2028. Na América Latina, o Brasil lidera o setor, com uma economia avaliada em R$ 629 bilhões, seguido por México e Argentina.
O ponto principal é: o bem-estar, que deveria ser um direito e uma prática acessível, virou um luxo para poucos. Em sociedades marcadas pela desigualdade, o acesso a práticas de autocuidado muitas vezes esbarra no preço e no tempo. Além disso, também criou-se uma “crença” de que saúde e felicidade dependem exclusivamente do indivíduo, mascarando questões estruturais como pobreza, racismo, desigualdade de gênero e políticas públicas ineficazes.
Mandando a real: uma pessoa que acorda às 5 da manhã, pega transporte público lotado, atravessa a cidade para trabalhar e só chega em casa às 21h, numa escala 6x1, não tem tempo para fazer uma alimentação saudável, uma sessão de terapia, relaxar, caminhar na rua ou mesmo ir à academia…
E quanto mais essa pessoa sente que nunca está fazendo o bastante — porque muitas vezes compara sua rotina com a vida milimetricamente editada da blogueira fitness —, mais surgem novos produtos prometendo resolver todos os problemas. Sem energia? Que tal uma garrafa com cristais para “energizar” seu corpo? Não dorme direito? Aqui está a última gominha pra alcançar o sono REM. E, pra fechar, um spray repelente de vampiros espirituais, que tal?
O mundo mudou e o aspiracional também
Antigamente, influenciadoras postavam seus looks do dia impecáveis, saltos altos, bolsas caríssimas… Hoje, o status é passar o dia inteiro vestindo roupa de academia. O mercado de bem-estar se expandiu e quase sempre gira em torno do consumo: sessão de massagem por R$ 800, matcha especial por R$ 50, aquela legging da Alo Yoga que custa mil reais, isso sem falar na anuidade das academias de luxo, que pode sair mais cara do que uma bolsa Chanel…
Tá passada?
Até Ivanka Trump (sim, filha daquele presidente) resolveu entrar na onda do bem-estar, criando conteúdos sobre saúde e vendendo a imagem do "novo luxo". Enquanto isso, o paizão segue firme: deportando em massa, cortando direitos de universidades, cancelando vistos de estudantes, violando direitos civis e invalidando a existência de pessoas trans.
Esse conteúdo não é um ataque ao universo wellness, até porque nós também falamos sobre isso, indicamos produtos, rituais e serviços de autocuidado. Esse mercado não vai simplesmente deixar de existir. Mas fica aqui um lembrete importante: nem todo mundo parte do mesmo lugar. Existem realidades muito diferentes da nossa e o bem-estar, para muitos, ainda é um privilégio e não uma escolha.
Gostei!