E se eu não quiser controlar o frizz?
Desvendamos de onde vem a obsessão por fios "perfeitos".
Maria Bethânia quebrou a internet ao estrelar uma campanha publicitária de beleza. Na ação da TRESemmé, a entidade divina da música brasileira divide cena com Sabrina Sato em um papo inesperado (e delicioso) sobre frizz. A campanha celebra o encontro de duas visões: quem busca controlar o frizz e quem prefere assumir a textura natural dos cabelos.
Pegou a REF?
Durante muito tempo, onduladas, cacheadas e crespas que usavam o cabelo solto eram chamadas de "Maria Bethânia", quase sempre num tom pejorativo. Uma coisa meio que julgando quem deixava os fios naturais e com frizz. Então, alisar, prender e esconder era (e ainda é, infelizmente) uma forma de parecer mais arrumada e cuidada.
Frizz é um palavrão @#$%!
Combata, controle, elimine! Exércitos de frascos de produtos são convocados para “domá-lo”, mas é preciso lembrar: o fio que foge do alinhamento perfeito é um fenômeno natural que, embora hoje seja tão combatido, já teve seus momentos de glória na história, sendo celebrado como símbolo de autenticidade.
Explicando 🔎
Cientificamente falando, a eletricidade estática nos cabelos acontece quando há um desequilíbrio nos íons presentes nos fios. Todos os cabelos conduzem energia e, quando entram em contato com objetos como escovas e pentes de metal, ou mudanças de ambiente, esse desequilíbrio é causado. O que ocorre é que os fios mais curtos, danificados ou desidratados ao adquirirem cargas elétricas iguais, se repelem e ficam "em pé", formando o frizz.
Outro ponto importante é a condição da cutícula, a camada externa que protege o fio. Quando a cutícula está aberta ou desalinhada, o cabelo perde água facilmente ou absorve água demais:
🥵 No calor seco, a água evapora → o fio resseca, fica quebradiço e mais propenso ao frizz.
😶🌫️ Em ambientes úmidos, o fio absorve água → incha, se deforma e cria ainda mais frizz.
O normal é ter frizz
E ele pode aparecer em todos os tipos de cabelo, mas é ainda mais comum em fios que ressecam com facilidade, como os que têm curvaturas. A oleosidade natural do couro cabeludo não percorre facilmente os fios em espiral e aí o ressecamento aparece com mais força, principalmente nas pontas.
Quando o frizz é tratado como algo negativo, isso implica que qualquer cabelo texturizado é, de alguma forma, errado. Todo cabelo precisa ser controlado? De onde surgiu esse ideal de beleza?
A história de controlar os fios é tão complexa e controversa, que levanta questões sobre identidade, autoestima e percepções sobre a nossa imagem.
Os primeiros sinais de alisamento para controlar os cabelos vêm do antigo Egito (sim, já faz bastante tempo!). As mulheres usavam substâncias alcalinas para relaxar os fios e deixá-los mais lisos. Com o tempo, essa prática se espalhou para a Europa e América, muitas vezes ligada a questões de status social e prestígio. Portanto, a obsessão pelo cabelo liso, impecável e domado não é nenhuma novidade.
Ao longo da história, os padrões de beleza foram amplamente moldados por sociedades dominantes. O cabelo liso era considerado mais "civilizado" e alinhado aos padrões eurocêntricos, enquanto os cabelos crespos eram desvalorizados, vistos como "pouco profissionais". Amplificando as inseguranças relacionadas aos cabelos e aumentando a procura de produtos que corrigissem essa falha. Ou seja, um cabelo perfeito precisaria ser um cabelo liso.
Nas décadas de 60 e 70, o movimento pelos direitos civis e políticos dos afro-americanos, que lutava pela igualdade e contra a discriminação racial, teve um papel crucial na redefinição da beleza. Ícones como Angela Davis, Cicely Tyson, Marsha Hunt e Nina Simone incentivaram mulheres negras a abraçarem seus cabelos naturais, promovendo autoestima e orgulho pela identidade.
Nos anos seguintes, o cabelo passou a ser um símbolo de autoexpressão, especialmente entre as novas gerações e celebridades de Hollywood. Cortes como o shag, franjas cacheadas e dreadlocks ganharam destaque - nos anos 80, o que valia era o volume! Permanentes altíssimos, mullets ousados e muito spray de cabelo eram essenciais para quem queria arrasar.
Os cabelos crespos tiveram seus momentos de glória, mas isso durou bem pouco. Nos anos 90, o foco mudou para a estética da "Heroin Chic", marcada por uma silhueta magra e cabelos lisos e controlados, impulsionados pela ascensão das supermodelos. Foi também a década em que Jennifer Aniston se tornou a garota da moda, coroada pelo visual de seu cabelo perfeitamente alinhado na série Friends, consolidando o padrão Rachel de cabelo liso como símbolo de beleza e sofisticação.
Impulsionado pela cultura pop e pelo desejo de um visual mais fácil de manter, nos anos 2000 houve um aumento da acessibilidade das chapinhas e outras ferramentas de alisamento. Surgiu, então, um verdadeiro boom de tratamentos capilares, como escovas de chocolate, marroquina, japonesa… prometendo fios lisos, sem frizz e mais “fáceis de cuidar”.
Desde então somos constantemente bombardeadas com mensagens sobre como alisar ou eliminar o frizz. Lembra da representação da Mia Thermopolis, de O Diário da Princesa (2001), antes da sua transformação? Que faz os cabelos parecerem "selvagens" ou descontrolados, mas finalmente domados quando ela assume seu papel de monarca. Mais um exemplo de como a cultura pop impulsionou as nossas inseguranças e nos levou a buscar obsessivamente por produtos antifrizz.
Nos últimos 10 anos…
O número de mulheres que passaram pela transição capilar ou que assumiram seus fios naturais e volumosos cresceu significativamente. No entanto, 70% dessas mulheres ainda enfrentam a pressão da sociedade para adotar fios lisos. Esse dado é resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Sumaúma, em parceria com a agência de relações públicas RPretas.
É sempre bom lembrar que o cabelo é mais do que apenas uma característica física, é um símbolo de individualidade, cultura e expressão pessoal. A maneira como usamos o cabelo pode dizer muito sobre quem somos, de onde viemos e como nos enxergamos.
Muito bom!